O conceito de Entidades Beneficiárias para efeitos do quadro legal aplicável à publicidade a medicamentos e dispositivos médicos

No dia 5 de fevereiro do presente ano, entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 5/2017, de 6 de janeiro, que aprovou os princípios gerais da publicidade a medicamentos e dispositivos médicos, e neste quadro procedeu à alteração do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, que estabelece o regime jurídico dos medicamentos de uso humano, bem como do Decreto-Lei n.º 145/2009, de 17 de junho, que estabelece o regime jurídico dos dispositivos médicos e respetivos acessórios.

O referido diploma veio introduzir novas regras que visam a salvaguarda da transparência nas atividades de publicidade de medicamentos e dispositivos médicos ou relacionadas com a sua promoção, e, deste modo, suscitar ou reavivar o debate sobre o tema.

Em matéria de transparência e publicidade, os regimes jurídicos aprovados pelo Decreto-Lei n.º 176/2006, e pelo Decreto-Lei n.º 145/2009, contêm regras quase idênticas, respetivamente no artigo 159.º e no artigo 52.º, estabelecendo obrigações dirigidas, por um lado, às entidades abrangidas por estes decretos-lei (entidades que investiguem, comercializem, fabriquem ou coloquem no mercado medicamentos de uso humano e dispositivos médicos), por outro, às entidades que das primeiras obtenham quaisquer benefícios – as Entidades Beneficiárias. Uma das dúvidas mais recorrentes sobre este tema tem sido exatamente quais as entidades consideradas beneficiárias, para o efeito. Vejamos.

Nos termos do n.º 5, quer do artigo 159.º Decreto-Lei n.º 176/2006, quer do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 145/2009, “Qualquer entidade abrangida pelo presente decreto-lei, que, diretamente ou por interposta pessoa, singular ou coletiva, conceda ou entregue qualquer benefício a toda e qualquer entidade, pessoa singular ou coletiva, de qualquer tipo, natureza ou forma, incluindo profissional de saúde ou qualquer outro trabalhador do Serviço Nacional de Saúde ou de organismos e serviços do Ministério da Saúde [o Decreto-Lei n.º 145/2009 acrescenta “nos casos admissíveis por lei”], associação, representativa ou não, de doentes, ou empresa, associação ou sociedade médica de cariz científico ou de estudos clínicos, bem como a estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde, independentemente da sua natureza jurídica e serviços e organismos do Ministério da Saúde [o Decreto-Lei n.º 176/2006 acrescenta “nos casos admissíveis por lei”], fica obrigada à sua comunicação, no prazo de 30 dias, a contar da efetivação do benefício, em local apropriado da página eletrónica do INFARMED, I. P.”. Sendo esse local apropriado a Plataforma de Comunicações –Transparência e Publicidade do INFARMED, I.P..

O Decreto-Lei n.º 5/2017, veio por fim à duplicação de comunicações prevista anteriormente, passando a exigir, do lado das Entidades Beneficiárias, apenas a validação da comunicação previamente efetuada pelas empresas de medicamentos e dispositivos médicos ou a transmissão fundamentada da sua não validação ao INFARMED, I. P., bem como a referência do facto em todos os documentos destinados a divulgação pública, que emita no âmbito da sua atividade. Às Entidades Beneficiárias é, igualmente, exigido que, sempre que o benefício concedido se destine direta ou indiretamente a profissionais de saúde, efetuem o registo dos mesmos na mesma Plataforma (cfr. artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 176/2006 e artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2009).

Numa primeira leitura do diploma, parece considerar-se Entidade Beneficiária:

a) Qualquer entidade, pessoa singular ou coletiva, de qualquer tipo, natureza ou forma, incluindo:

(i) Profissional de saúde ou qualquer outro trabalhador do SNS ou de organismos e serviços do Ministério da Saúde;

(ii) Associação, representativa ou não, de doentes;

(iii) Empresa, associação ou sociedade médica de cariz científico ou de estudos clínicos;

(iv) Estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde, independentemente da sua natureza jurídica;

(v) Serviços e organismos do Ministério da Saúde.

b) Que receba um benefício, que na aceção do n.º 11 das referidas disposições se entende por “qualquer vantagem, valor, bem ou direito avaliável em dinheiro, independentemente da forma da sua atribuição, seja a título de prémio, patrocínio, subsídio, honorários, subvenção ou outro”.

Não obstante a aparente abrangência que resulta de uma interpretação literal destas disposições, importa restringir o âmbito de aplicação das mesmas, atendendo ao escopo do regime em consideração. Assim, não são todas e quaisquer entidades que recebam atribuições patrimoniais de uma empresa de medicamentos de uso humano e dispositivos médicos, que devem figurar na Plataforma da Transparência do INFARMED, I.P.. Se assim fosse, todo e qualquer fornecedor de bens ou prestador de serviços de uma dessas entidades estaria abrangido, o que não parece adequado atendendo aos fins da legislação em apreço. Não parece razoável, por exemplo, que a empresa que presta serviços de limpeza na sede de uma farmacêutica, ou uma sociedade de advogados que presta consultoria a um comerciante de equipamento de RX, esteja aqui compreendida. O conceito de benefício deve ser entendido como uma atribuição patrimonial feita sem que haja contrapartida efetiva e equivalente, ou seja, sem que haja uma contraprestação de igual valor.

O conceito de beneficiário deve ainda ser apurado através de uma interpretação sistemática. Com efeito, o âmbito de aplicação destas normas deve ser articulado com o quadro legal aplicável à publicidade a medicamentos de uso humano e dispositivos médicos. Tal como acima referido a finalidade do artigo 159.º Decreto-Lei n.º 176/2006, e do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 145/2009, é a garantia de uma maior transparência nas atividades de publicidade de medicamentos e dispositivos médicos ou relacionadas com a sua promoção, de onde se retira que um benefício de uma empresa abrangida por aqueles diplomas apenas merece escrutínio público quando não seja atribuído como contrapartida direta e efetiva pelo fornecimento de um bem ou de um serviço ou, sendo, esse bem ou serviço se inclua numa atividade de publicidade ou promoção de medicamentos ou dispositivos médicos, na aceção do artigo 150.º Decreto-Lei n.º 176/2006 e do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 145/2009, ou seja, de informação, de prospeção ou de incentivo que tenha por objeto ou por efeito a promoção da sua prescrição, dispensa, venda, aquisição ou consumo. Assim, o pagamento dos serviços de limpeza na sede de uma farmacêutica ou de consultoria jurídica a um comerciante de equipamentos de rx, não está sujeito ao dever de comunicação, na medida em que é realizado como retribuição pelos serviços prestados, que, inclusivamente, não estão relacionados com atividade de publicidade ou promoção.

Em suma, a obrigação de comunicação à Plataforma de Comunicações – Publicidade e Transparência do INFARMED, I.P., e correspondente validação, apenas ocorre quando esteja em causa a concessão a uma qualquer entidade de um benefício por parte de uma empresa de medicamentos de uso humano ou dispositivos médicos, sem que haja contrapartida efetiva ou equivalente ou, existindo, se inclua numa atividade de publicidade ou promoção de um medicamento de uso humano ou dispositivo médico.

Jane Kirkby, BAS Sociedade de Advogados, RL

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