Segurança dos cuidados de saúde e Responsabilidade Civil do Estado: aprisionamento e domínio da culpa? (versão jurídica)

 I – Enquadramento

As nossas preocupações quanto aquilo a que designámos, em sentido figurado, por aprisionamento e domínio da culpa no âmbito da responsabilidade civil do Estado datam de há algum tempo atrás. Em 2012 fizemo-lo no quadro do alerta lançado pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde em matéria de acompanhamento da problemática do erro médico no contexto da segurança dos doentes[i], nomeadamente, através da existência de políticas de gestão do risco de que são exemplo os sistemas de notificação de incidentes e eventos adversos.

Tivemos nessa altura em consideração, o que agora recuperamos pelo seu valor elucidativo sobre a realidade neste domínio, uma decisão proferida pela jurisdição administrativa[ii], ainda sob a vigência e aplicação do regime aprovado pelo Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967, quanto ao direito à reparação de danos sofridos pelos particulares durante a prestação de cuidados de saúde, apreciado, conforme à tradição, em face da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil fundada num facto ilícito e culposo.

Captou a nossa atenção, em especial, o enquadramento da questão objeto de julgamento no referido aresto na problemática que maiores atenções e, correspondentemente, mais expressivos avanços tem sofrido nas últimas décadas na área da Saúde: a segurança na prestação de cuidados de saúde[iii].

No contexto da ocorrência do desaparecimento de um doente que, encontrando-se internado no Serviço de Urgência de um estabelecimento hospitalar, é, quinze dias após, encontrado sem vida a 1800 metros do recinto do hospital num terreno baldio, a questão fulcral a decidir, no caso, consistiu em saber se, perante as circunstâncias concretas, os funcionários e agentes do ora Recorrido violaram alguma norma legal ou os princípios gerais aplicáveis ou infringiram regras de ordem técnica e de prudência comum que deviam ser tidas em consideração. E quanto a essa questão, o aresto entendeu que não resulta qualquer obrigação para o hospital de controlar e/ou evitar a saída dos doentes do serviço de urgência do Hospital, falecendo, assim, a pretensão dos Autores com a ação proposta por não se verificarem os requisitos da ilicitude e da culpa.

O atual estado e os conhecimentos científicos na área da saúde têm, conforme já vinha a acontecer nessa data, suscitado as maiores preocupações, das mais diversas organizações[iv], sobre a existência de uma margem de riscos e a ocorrência de eventos adversos no âmbito da prestação de cuidados de saúde.

A concretização do princípio da responsabilidade e a sua tradicional radicação na clássica apreciação da ocorrência dos requisitos facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano, bastando a falta de verificação de um destes pressupostos para que a acção improceda, ou seja, na verificação in casu dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito e culposo, merecem ser reapreciados em prol da proteção efetiva dos direitos dos utilizadores dos serviços de saúde perante os riscos conhecidos da sua atividade.

Através do presente visamos relançar a reflexão sobre a centralidade, a respeito do regime de reparação dos danos produzidos no âmbito da prestação de cuidados de saúde, do modelo tradicional de responsabilidade civil assente na culpa e as alterações que a produção objetiva de danos aos utilizadores dos serviços de saúde associados aos riscos que lhe estão inerentes exige num quadro de aparente aprisionamento à responsabilidade civil aquiliana.

 

II – A proteção jurídica dos cidadãos em matéria de segurança na prestação de cuidados de saúde

A segurança no âmbito da prestação de cuidados de saúde tem sido objeto de diversas conceptualizações, as quais têm sido produzidas em torno da expressão Segurança do Doente[v], que se referem à redução do risco de danos desnecessários relacionados com os cuidados de saúde, para um mínimo aceitável. Um mínimo aceitável refere-se à noção coletiva em face do conhecimento atual, recursos disponíveis e no contexto em que os cuidados foram prestados em oposição ao risco do não tratamento ou de outro tratamento alternativo[vi].

Na ordem jurídica portuguesa a consagração dos direitos dos utilizadores dos serviços de saúde acha-se plasmada, entre outros, na Constituição da República Portuguesa, na Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, no Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro, no Regime Jurídico da Gestão Hospitalar, aprovado pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, na Lei n.º 15/2014, de 21 de março, e na Carta dos Direitos de Acesso aos Cuidados de Saúde pelos Utentes do Serviço Nacional de Saúde, aprovada pela Portaria n.º 153/2017, de 4 de maio[vii].

A tutela que o Direito oferece em matéria de segurança dos cuidados de saúde advém, em especial, da conjugação do direito à vida (cfr. artigo 24.º da Constituição da República Portuguesa), do direito à integridade física e moral (cfr. artigo 25.º da Constituição da República Portuguesa) e do direito à proteção da saúde (artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa). A articulação dos referidos direitos fundamentais e a sua orientação para a proteção da dignidade humana exigem, no que diz respeito ao Estado, a garantia e proteção da existência vivente físico-biológica (…) implica: (a) não poder dispor da vida das pessoas, a qualquer título que seja; (b) obrigação de proteger a vida das pessoas contra os ataques ou ameaças de terceiros; (c) dever de abster-se de acções ou da utilização de meios que criem perigo desnecessário ou desproporcionado para a vida das pessoas[viii], relevam perante o Estado, também, no sentido de vedar no plano das instituições de saúde os tratamentos degradantes ou humanos que possam agredir ou ofender, no corpo ou no espírito, por meios físicos ou morais, a esfera individual dos respetivos utilizadores[ix] e exigem, ainda, do Estado que se abstenha de qualquer acto que prejudique a saúde[x] bem como que promova um “elevado nível de protecção da saúde humana”[xi].

A vinculação aos referidos direitos fundamentais dita a incumbência do Estado de garantir aos cidadãos utilizadores dos serviços de saúde uma redução do risco de danos desnecessários relacionados com os cuidados de saúde, para um mínimo aceitável [xii], ou seja, a garantia de que os cuidados de saúde são prestados num ambiente de segurança.

No plano infraconstitucional, sem desconsiderar os deveres de vigilância que recaem sobre os profissionais de saúde e os serviços de saúde, donde também resulta o direito dos utentes a beneficiarem da prestação de cuidados de saúde em segurança, cujo reconhecimento tem por consequência, conforme defendido por alguns autores, a extensão do campo da ilicitude para efeitos de responsabilidade civil[xiii], a previsão expressa de um direito dos utilizados dos serviços de saúde apenas obteve respaldo nos textos produzidos pela Administração.

Em matéria de qualidade dos cuidados de saúde, sem prejuízo do direito a que os serviços públicos de saúde se constituam e funcionem de acordo com os seus legítimos interesses, previsto no n.º 2 da Base V, a Lei de Bases da Saúde apenas prevê que os utentes dos serviços de saúde têm direito a Ser tratados pelos meios adequados, humanamente e com prontidão, correcção técnica, privacidade e respeito [alínea c) do n.º 1 da Base XIV]. Idêntica previsão veio a ser vertida na Lei n.º 15/2014, de 21 de março, cujo artigo 4.º, n.ºs 2 e 3, consagram os direitos dos utentes dos serviços de saúde à prestação dos cuidados de saúde mais adequados e tecnicamente mais corretos e a que os mesmos sejam prestados humanamente e com respeito pelo utente. Sem afastar a necessidade de interpretar de forma atualista e sistemática essas normas legais, o que conduz a defender que se encontra aí compreendido o direito a cuidados de qualidade e seguros, é forçoso reconhecer que apenas o artigo 29.º da Carta dos Direitos do Utente dos Serviços de Saúde, elaborada pela Entidade Reguladora da Saúde em Junho de 2005, prevê expressamente o direito dos utilizadores dos serviços de saúde à segurança na prestação de cuidados de saúde[xiv] [xv].

A título comparativo, observamos que o ordenamento jurídico francês oferece uma tutela da segurança na prestação de cuidados de saúde como direito das pessoas. Determina o artigo L. 1110-5 do Code de la Santé Publique, aprovado pela Lei de 4 de março, integrado no capítulo dedicado aos direitos da pessoa, que Toute personne a, compte tenu de son état de santé et l’ urgence des interventions que celui-ci requiert, le droit de recevoir les soins les plus appropriés et de bénéficier des thérapeutiques dont l’efficacité est reconue et qui garantissent la meilleure sécurité au regard des connaissances médicales avérées[xvi].

Atentos os desenvolvimentos no plano comunitário, em particular, face à aprovação da Diretiva 2011/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2011, relativa ao exercício dos direitos dos doentes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços, que visa a definição de regras para facilitar o acesso a cuidados de saúde transfronteiriços seguros e de elevada qualidade na União, cuja transposição foi operacionalizada pela Lei n.º 52/2014, de 25 de agosto, há a considerar, igualmente, o reconhecimento pela referida Diretiva de diversos direitos dos utentes, designadamente, atento o artigo 4.º da Diretiva o direito a que os cuidados de saúde lhes sejam prestados em respeito pelo princípio do acesso a cuidados de saúde de boa qualidade e de acordo com as normas e orientações em matéria de qualidade e segurança estabelecidas[xvii]. A Lei n.º 52/2014, de 25 de agosto, veio acompanhar essa previsão, no artigo 4.º, n.º 1, bem como a estatuir o dever dos prestadores de cuidados de saúde a facultarem informação ao doente sobre os mecanismos de controlo da qualidade e segurança dos cuidados de saúde que prestam [cf. alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º].

Sem prejuízo da ausência de consagração legal expressa, somos de opinião que a segurança na prestação de cuidados de saúde constitui um direito dos utentes dos serviços de saúde[xviii], que vincula esses serviços e os profissionais ao seu serviço, refletindo-se nos deveres e obrigações destes últimos, entenda-se, serviços e profissionais no âmbito das relações jurídicas estabelecidas com àqueles primeiros.

 

III – A responsabilidade civil do Estado e a proteção dos cidadãos afetados por eventos adversos no âmbito da prestação de cuidados de saúde

A Lei Fundamental, que consagra, por um lado, os direitos fundamentais nos quais é entendido alicerçar-se o direito a cuidados de saúde seguros, consagra, também, o princípio da responsabilidade dos poderes públicos (Estado e demais entidades públicas) pelos prejuízos causados por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício lesivas de direitos e interesses dos particulares.

Conforme argumentam os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, ainda que alguma doutrina defenda que o alcance do preceito legal constante do artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa está limitado à responsabilidade por actos ilícitos e culposos, ou, pelo menos, ilícitos, a protecção constitucional do direito de reparação de danos deve estender-se às hipóteses de “responsabilidade pelo risco” em que haja violação de direitos, liberdades ou garantias ou prejuízos para os particulares derivados de acções ou omissões do poder público[xix].

Na concretização desse direito à reparação dos prejuízos causados no âmbito do exercício dos poderes públicos pelo Estado e demais Entidades Públicas, o legislador ordinário consagrou várias modalidades de responsabilidade civil relacionada com a função administrativa, na qual cabe a prestação de cuidados de saúde pelos estabelecimentos e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde.

O legislador previu, desde logo, nos artigos 7.º e seguintes do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas[xx], a responsabilidade civil fundada em facto ilícito, ou seja, em acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 9.º, n.º 1) ou no funcionamento anormal do serviço.

A complexidade da prestação de cuidados de saúde e a causalidade multifatorial da ocorrência de eventos adversos, no sentido de acontecimento (ou evento) acidental, atípico, não intencional e evitável, colocam a possibilidade de confronto com situações de ocorrência objetiva de danos na esfera dos particulares causados por aqueles eventos não imputáveis à atuação de um qualquer titular de órgão, funcionário ou agente do serviço de saúde, nomeadamente, por não ser possível identificar o autor ou os autores dos factos que lhe deram origem, frustrando-se, assim, a efetivação prática da responsabilidade civil, pelo menos, ao abrigo desta modalidade.

Em sede de responsabilidade civil fundada em acto ilícito, ainda sem abandonar a exigência da verificação do requisito da culpa, o legislador previu a situação de produção de dano atribuível a um funcionamento anormal do serviço[xxi], centrando a apreciação da culpa no serviço, ou seja, na verificação de que a sua organização ou o seu funcionamento no caso tenham objetivamente tido lugar com um padrão de diligência inferior àquele que, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, seria exigível ao serviço para evitar os danos produzidos[xxii].

Esta será, com efeito, a modalidade de responsabilidade civil delitual que oferece, no quadro legal atual, uma proteção mais intensa aos utilizadores dos serviços de saúde na compensação dos prejuízos por si sofridos em resultado da ocorrência de eventos adversos durante a prestação de cuidados de saúde, sempre que a sua produção esteja associada a riscos não imputáveis a uma qualquer conduta em particular.

A modalidade de responsabilidade pelo risco, em desvio à tradição dominante da responsabilidade civil assente na culpa, seria, em tese, aquela que mais apta estaria a garantir a proteção dos direitos dos cidadãos ao ressarcimento dos danos produzidos no âmbito da álea de risco próprio da prestação de cuidados de saúde[xxiii]. O afastamento desta modalidade de responsabilidade civil de qualquer juízo de reprovação da atuação que produziu o dano, assentando nas exigências de quem cria um risco responda pelas suas consequências ou de que quem tem sob o seu controlo uma coisa ou uma actividade responda pelos riscos que elas envolvem[xxiv], permitiria considera-la como a mais garantística da efetivação do direito à indemnização de danos desnecessários relacionados com os cuidados de saúde que, em face do conhecimento atual, recursos disponíveis e no contexto em que os cuidados foram prestados, sejam considerados como de ocorrência evitável pelos serviços de saúde.

O funcionamento da responsabilidade administrativa pelo risco encontra-se, porém, reservada a determinados factos, isto é, os factos produtores de danos decorrentes de actividades, coisas ou serviços administrativos especialmente perigosos (artigo 11.º, n.º 1 do regime da RCEEEP), no sentido de potencialmente lesivos de bens de forma exorbitante relativamente à normalidade social[xxv]. A exigência da verificação de tal requisito na perspetiva do pressuposto “facto”, a nosso ver e atenta a restritividade dessa qualificação[xxvi], constitui um obstáculo à sua aplicação para realização da justiça e da igualdade nos casos que nos ocupam. Tudo isto se encontra porém em crise.

A jurisprudência nacional tem vindo, paulatinamente, ainda que sob um aparente princípio de reserva da sua qualificação como atividade especialmente perigosa[xxvii], a reconhecer margens de perigo na atividade de prestação de cuidados de saúde[xxviii].

Também a Diretiva 2011/24/UE impõe aos Estados-Membros a obrigação de assegurar que Exista um regime de seguro de responsabilidade profissional, ou uma garantia ou disposição similar que seja equivalente ou no essencial comparável quanto ao seu objectivo e esteja adaptada à natureza e à dimensão do risco, para os tratamentos realizados no seu território [alínea d) do n.º 2 do artigo 4.º]. Ou seja, a Diretiva obriga os Estados-Membros a adotarem um regime de responsabilidade civil ou a garantia ou disposição que se destine aos mesmos fins, de ressarcimento dos danos sofridos no âmbito da prestação de cuidados de saúde, adaptado à natureza e dimensão do risco próprio dos cuidados de saúde, o que, desde logo, não poderá ficar isento de ser construído em face dos riscos inerentes à prestação de cuidados de saúde conhecidos à data atual nem impermeável às evoluções sucessivamente verificadas nesse campo.

A evolução das ciências da saúde e o conhecimento progressivo dos riscos que afetam a prestação de cuidados de saúde, o princípio do Estado de Direito, a dignidade humana e a justiça e a igualdade exigem a previsão de um regime de proteção dos direitos dos cidadãos a não serem prejudicados e, na sua ocorrência objetiva, a serem ressarcidos pelos danos sofridos derivados de riscos associados à prestação de cuidados de saúde sem ónus injustificados e desproporcionados.

A solução prevista em França, no Code de la Santé Publique, de consagração de um direito de indemnização fundada na solidariedade nacional dos danos ocasionados pela ocorrência de um acidente médico, duma afeção iatrogénica ou de uma infeção nosocomial constitui, senão, um exemplo a seguir, um potencial modelo de inspiração ao nível nacional, numa eventual e expectável revisão do regime de responsabilidade civil do Estado no exercício da função prestadora de cuidados de saúde[xxix].

 

IV – Conclusão

Quer ao nível interno como externo, os cuidados de saúde de qualidade e seguros são um imperativo nos dias de hoje, merecendo a integração expressa no catálogo de direitos dos utilizadores dos serviços de saúde e a densificação em sede de deveres e obrigações dos profissionais e serviços que desenvolvem a sua atividade na área da Saúde.

A sua importância para o respeito pela dignidade humana e para o exercício de direitos fundamentais reclama que os sistemas jurídicos garantam uma proteção mais intensa por via dos mecanismos e institutos jurídicos de efetivação da justiça social.

Os desenvolvimentos a que assistimos nas últimas décadas no campo das ciências da saúde e os avanços no conhecimento dos riscos inerentes à atividade de prestação de cuidados de saúde exigem o rompimento com a tradição do domínio da responsabilidade civil fundada na culpa no âmbito da prestação de cuidados de saúde e a demonstração de que os sistemas jurídicos acompanham as evoluções da ciência mantendo, senão maiores, pelo menos idênticas garantias de proteção dos cidadãos.

Marco Aurélio Constantino, BAS Sociedade de Advogados, SP, RL

 

Referências Bibliográficas

Obras e artigos científicos

  • CADILHA, Carlos Alberto Fernandes (2008). Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas Anotado. Coimbra: Coimbra Editora.
  • CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA, Vital (2007). Constituição da República Portuguesa Anotada. Volume I – 4ª Edição Revista. Coimbra: Coimbra Editora.
  • DUGUET, Anne-Marie (Coordenação); FILIPPI, Isabelle; HERVEG, Jean (Colaboração) (2008). Évolution Récente des Actions en Responsabilité Médicale en France: Comparaison avéc l’étranger. XIe Séminaire d’atualité de Droit Médical. Bordeaux-Centre (France): Les Études Hospitalières Éditions.
  • FARIA, Paula Lobato (2010). Perspectivas do Direito da Saúde em Segurança do Doente com base na experiência norte-americana. Revista Portuguesa de Saúde Pública, 2010, Volume Temático n.º 10. España: Elsevier Doyma.
  • LAUDE, Anne, MATHIEU, Bertrand e TABUTEAU, Didier (2007). Droit de la Santé. 2e edition mise à jour. Paris: Presses Universitaires de France.
  • MELO, Helena Pereira de (2007). Os direitos da pessoa doente. Revista Sub Judice Justiça e Sociedade, N.º 38 – Março de 2007, Direito da Saúde e Biodireito. Lisboa: Almedina.
  • MIRANDA, Jorge, MEDEIROS, Rui (2010). Constituição Portuguesa Anotada. Tomo I, 2ª Edição revista, actualizada e ampliada. Coimbra: Coimbra Editora.
  • MONGE, Cláudia (2013). A responsabilidade dos estabelecimentos hospitalares integrados no Serviço Nacional de Saúde por atos de prestação de cuidados de saúde, integrado na publicação e-book Novos temas da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, sob coord. dos Professores Doutores Carla Amado Gomes e Miguel Assis Raimundo, páginas 95 a 117 (disponível em http://www.icjp.pt/publicacoes).
  • PEREIRA, André Dias (2015). Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica, Coimbra Editora.
  • SOUSA, Marcelo Rebelo de e MATOS, André Salgado de (2007). Direito Administrativo Geral – Actividade Administrativa. Tomo III. Lisboa: Publicações Dom Quixote.
  • UVA, António Sousa, SOUSA, Paulo e SERRANHEIRA, Florentino (2010). A Segurança do doente para além do erro médico ou do erro clínico. Artigo publicado na Revista Portuguesa de Saúde Pública, 2010, Volume Temático n.º 10. España: Elsevier Doyma.

 

Legislação

  • Carta dos Direitos de Acesso aos Cuidados de Saúde pelos Utentes do Serviço Nacional de Saúde, aprovada pela Portaria n.º 153/2017, de 4 de maio.
  • Code de la Santé Publique. Loi 4 du Mars 2002. Disponível no sítio
  • Constituição da República Portuguesa.
  • Diretiva 2011/24/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de Março de 2011, relativa ao exercício dos direitos dos doentes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços.
  • Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro.
  • Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto.
  • Lei consolidando a legislação em matéria de direitos e deveres do utente dos serviços de saúde, aprovada pela Lei n.º 15/2014, de 21 de março.
  • Lei que estabelece normas de acesso a cuidados de saúde transfronteiriços e promove a cooperação em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços, transpondo a Diretiva n.º 2011/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2011, e a Diretiva de Execução n.º 2012/52/UE da Comissão, de 20 de dezembro de 2012, aprovada pela Lei n.º 52/2014, de 25 de agosto.
  • Regime Jurídico da Gestão Hospitalar, aprovado pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro.
  • Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.
  • Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Pessoas Colectivas Públicas no domínio dos actos de gestão pública, aprovado pelo Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967.

 

Jurisprudência

  • ACÓRDÃO do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do Processo n.º 30514, de 10-12-1992.
  • ACÓRDÃO do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do Processo n.º 351/05, de 14-12-2005.
  • ACÓRDÃO do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido pela Secção de Contencioso Administrativo -2º Juízo, no âmbito do Processo n.º 8532/12, de 21-06-2012.
  • ACÓRDÃO do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do Processo n.º 3529/05; de 11-07-2006.
  • ACÓRDÃO do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do Processo n.º 1594/04.7TBLRA.C1, de 06-05-2008.

 

Outros Textos

 


[i] Cfr. Relatório denominado Inspecção sobre monitorização do erro médico e acções judiciais com pedido de indemnização por deficiente assistência médica, produzido no âmbito do Processo n.º 44/2010-INS pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde. De acordo com o referido relatório, entre os erros mais frequentes são de sublinhar, pela sua gravidade, o facto de ter sido referenciado como mais frequente o erro na identificação do doente (17 entidades), seguido do erro de processo com informação mal arquivada, e quanto às situações adversas de ocorrência mais frequente destacam-se as Infecções resultantes da assistência médica/enfermagem; Sépsis pós operatória; Punções ou lacerações acidentais; Insuficiências respiratórias pós operatórias; Situações de reacção a transfusão sanguínea; Embolias pulmonares pós-operatórias; Penumotorax iatrogénico. O relatório divulga, ainda, que os montantes indemnizatórios requeridos ascendem a cifras não negligenciáveis – mais de 26 milhões de euros, no seu conjunto e, por conseguinte, que o apurado merece reflexão e medidas preventivas a ponderar a diversos níveis.

[ii] Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido pela Secção de Contencioso Administrativo -2º Juízo, no âmbito do Processo n.º 8532/12, de 21-06-2012.

[iii] A este respeito, António Sousa Uva, Paulo Sousa e Florentino Serranheira (in A Segurança do doente para além do erro médico ou do erro clínico, publicado na Revista Portuguesa de Saúde Pública, 2010, Volume Temático n.º 10, pp. 1-2) expõem que A segurança do doente (patient safety) tem ocupado, nos últimos vinte anos, as preocupações de quem se dedica aos aspectos da qualidade em saúde, ainda que centradas essencialmente numa perspectiva do erro (“erro médico” ou, se se preferir, “erro clínico”).Salientam os referidos autores que As potenciais medidas correctivas/preventivas têm que se “espaldar” em eficientes sistemas de avaliação de risco que não se circunscrevem a aspectos de natureza clínica. Refira-se, por exemplo, a frequência e gravidade das quedas de doentes que, pelo menos em termos teóricos, deveriam ser totalmente evitáveis e que continuam a ter uma grande importância em matéria de segurança do doente. Perante tais opiniões, não devem restar dúvidas de que a garantia da qualidade e da segurança na prestação de cuidados de saúde é um imperativo actual que não se restringe ao domínio da prática de actos clínicos pelos profissionais de saúde, dizendo respeito a todo o ambiente, designadamente, infra estrutural e organizacional em que a mesma tem lugar.

[iv] O marco mais importante neste domínio talvez decorra da aprovação pela Assembleia Mundial de Saúde, em 2002, de uma resolução e do lançamento, em Outubro de 2004, pela Organização Mundial de Saúde, de um programa de segurança do doente (Patient Safety) em resposta à referida resolução, os quais vieram sublinhar a importância da segurança do doente como um problema de saúde global.

Em finais de 2008, também a Comissão das Comunidades Europeias (in documento de trabalho que acompanhou a Comunicação e a Recomendação da Comissão das Comunidades Europeias sobre Segurança do Doente, incluindo a Prevenção e o Controle de Infecções Hospitalares – Resumo da Avaliação de Impacto. Bruxelas, 15.12.2008 – SEC (2008) 3005) reportava que Há um número limitado, mas crescente de evidências sobre a prevalência e incidência de eventos adversos nos sistemas de saúde nos Estados-Membros. Estudos nacionais do Reino Unido, Espanha e França fornecem a maior parte da evidência atual na Europa sobre a prevalência de eventos adversos para os doentes e suas implicações. A partir destes estudos e a partir de entrevistas com informantes-chave realizadas para um projeto externo de avaliação do impacto do fenómeno, estima-se que nos Estados-Membros, entre 8% e 12% dos doentes hospitalizados sofrem de efeitos adversos durante o período enquanto recebem cuidados de saúde. Através do referido documento de trabalho a Comissão informava, ainda, que As infeções nosocomiais (IACS), um dos principais focos da iniciativa em curso, estão entre as causas mais frequentes e potencialmente prejudiciais de danos não intencionais, afetando 1 em 20 pacientes de hospital, em média, correspondendo a 4,1 milhões de doentes a cada ano na União Europeia. As IACS são frequentemente difíceis de tratar devido à resistência antimicrobiana dos microrganismos causadores dessas infeções. Outras causas de eventos adversos consistem em erros relacionados com a medicação, como são os casos de pacientes que receberam o medicamento errado, ou a dose errada, erros cirúrgicos, falhas com dispositivos médicos e erros no diagnóstico ou o fracasso na atuação sobre os resultados dos testes.

[v] Ao nível nacional, a expressão utilizada pela generalidade das entidades, investigadores e, inclusive, profissionais é a de segurança do doente, provavelmente em resultado da inspiração na expressão estrangeira Patient Safety. Por um fundamento semântico e porque, segundo por nós perspetivado, a referida conceptualização tem continuadamente refletido uma realidade que vai além da segurança da pessoa que padece de uma doença ou enfermidade, preferimos adotar a expressão segurança na prestação de cuidados de saúde.

[vi] A definição reproduzida é a adotada pela Organização Mundial de Saúde e objeto de tradução para a língua portuguesa pela Direção-Geral da Saúde ao abrigo da concessão de direitos de tradução e publicação para uma edição em língua portuguesa do relatório Conceptual framework for the international classification for patient safety. Version 1.1. Final Technical Report, disponível no documento publicado em 2011 e com o título Estrutura Concetual da Classificação Internacional sobre Segurança do Doente. Relatório Técnico Final.

[vii] Os direitos dos utilizadores dos serviços de saúde constam também da Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes, elaborada pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) e pela Comissão de Humanização para os Cuidados de Saúde, a Carta dos Direitos do Utente dos Serviços de Saúde, redigida pela Entidade Reguladora da Saúde, e a Carta dos Direitos do Doente Internado, apresentada pela Direção-Geral da Saúde.

[viii] Cfr. Canotilho, J. J. Gomes e Moreira, Vital (2007). Constituição da República Portuguesa Anotada. Volume I – 4.ª Edição revista. Coimbra: Coimbra Editora. pp. 447-448.

[ix] Cfr. Canotilho, J. J. Gomes e Moreira, Vital. In Obra citada. pp. 454-455.

[x] Cfr. Canotilho, J. J. Gomes e Moreira, Vital. In Obra citada. p. 825.

[xi] Cfr. Canotilho, J. J. Gomes e Moreira, Vital. In Obra citada. p. 831.

[xii] A definição reproduzida é a adotada pela Organização Mundial de Saúde e objeto de tradução para a língua portuguesa pela Direção-Geral da Saúde ao abrigo da concessão de direitos de tradução e publicação para uma edição em língua portuguesa do relatório Conceptual framework for the international classification for patient safety. Version 1.1. Final Technical Report, disponível no documento publicado em 2011 e com o título Estrutura Concetual da Classificação Internacional sobre Segurança do Doente. Relatório Técnico Final.

[xiii] Cfr. No sentido apontado veja-se Cláudia Monge, in A responsabilidade dos estabelecimentos hospitalares integrados no Serviço Nacional de Saúde por atos de prestação de cuidados de saúde, integrado na publicação e-book Novos temas da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, sob coord. dos Professores Doutores Carla Amado Gomes e Miguel Assis Raimundo (2013), páginas 95 a 117 (disponível em http://www.icjp.pt/publicacoes).

[xiv] Cfr. Melo, Helena Pereira de (2007). Os direitos da pessoa doente. in Revista Sub Judice Justiça e Sociedade, N.º 38 – Março de 2007, Direito da Saúde e Biodireito. Lisboa: Almedina. p. 63 e ss.

[xv] A Entidade Reguladora da Saúde submeteu a consulta pública um projeto, que se aguarda objeto de aprovação definitiva e publicação oficial, de “Carta dos Direitos dos Utentes dos Serviços de Saúde”, cujo artigo 18.º preceitua que Os utentes gozam também do direito de exigir dos prestadores de cuidados de saúde o cumprimento dos requisitos de higiene, segurança e salvaguarda da saúde pública, bem como a observância das regras de qualidade e segurança definidas pelos códigos científicos e técnicos aplicáveis (n.º 4), assim como que Os utentes têm direito ao cumprimento das regras vigentes e legalmente estabelecidas em matéria de exigências de acessibilidade, de segurança e higiene dos espaços, de compartimentação mínima, de dimensionamento e das características construtivas dos edifícios (n.º 5).

[xvi] Cfr. Code de la Santé Publique, aprovado pela Loi du 4 du Mars 2002.

[xvii] A referida Diretiva impõe, a título de obrigações dos Estados-Membros de tratamento, que a prestação de cuidados de saúde, tendo em conta, entre outros, o princípio do acesso a cuidados de saúde de boa qualidade, seja assegurada De acordo com as normas e orientações em matéria de qualidade e segurança estabelecidas pelo Estado-Membro de tratamento [alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º] e Nos termos da legislação da União relativa às normas de segurança [alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º]. A Diretiva impõe ainda aos Estados-Membros, quando revistam a qualidade de Estado-Membro de tratamento, que assegurem que os doentes recebam, a seu pedido, informação relevante dos pontos de contacto nacionais sobre as referidas normas e orientações em matéria de qualidade e segurança bem como informação sobre os prestadores de cuidados de saúde sujeitos a essas normas e orientações [cfr. alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º] e que Os prestadores de cuidados de saúde facultem informação relevante que permita a cada doente fazer uma escolha esclarecida sobre, nomeadamente, as opções de tratamento, a disponibilidade, a qualidade e a segurança dos cuidados de saúde que prestam no Estado-Membro de tratamento [alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º].

[xviii] A este respeito, a Professora Paula Lobato Faria (in Perspectivas do Direito da Saúde em Segurança do Doente com base na experiência norte-americana. Revista Portuguesa de Saúde Pública. 2010: Volume Temático – N.º 10. pp. 81-88) parece fazer radicar o referido direito a cuidados seguros nos direitos fundamentais da pessoa humana enquanto doente ou utente de unidades de saúde, isto é, dos direitos mais importantes: o direito à vida e o direito à integridade física e mental da pessoa. Na opinião que expressa no referido artigo, a Professora Paula Lobato Faria defende, porém, que este direito não está ainda acautelado nas unidades de saúde e que a prevenção do erro e a implementação de medidas eficazes de promoção da qualidade se encontram em fase embrionária no panorama dos serviços de saúde do nosso país.

[xix] Cfr. Canotilho, J. J. Gomes e Moreira, Vital (2007). Constituição da República Portuguesa Anotada. Volume I – 4.ª Edição revista. Coimbra: Coimbra Editora. p. 437.

[xx] Aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, doravante abreviadamente designado por RCEEEP.

[xxi] Vide artigo 7.º, n.ºs 3 e 4 do Regime da RCEEEP.

[xxii] Cfr. Sousa, Marcelo Rebelo de e Matos, André Salgado de (2007). Direito Administrativo Geral – Actividade Administrativa. Tomo III. Lisboa: Publicações Dom Quixote. p. 424.

[xxiii] No mesmo sentido, cfr. Paula Lobato Faria in Perspectivas do Direito da Saúde em Segurança do Doente com base na experiência norte-americana. Revista Portuguesa de Saúde Pública. 2010: Volume Temático – N.º 10. pp. 81-88, onde defende que O “evento (11) iatrogénico” é uma realidade incontornável em medicina, facto que deveria ter relevância no Direito, como por exemplo na adopção em Portugal de um sistema de responsabilidade objectiva (isto é, não baseado na culpa dos agentes) na compensação por danos em unidades de saúde, tal como existe já há várias décadas na Finlândia (desde

1987).

[xxiv] Cfr. Sousa, Marcelo Rebelo de e Matos, André Salgado de. In Obra citada. p. 433.

[xxv] Cfr. Sousa, Marcelo Rebelo de e Matos, André Salgado de. In Obra citada. p. 434. Os autores sistematizam um conjunto de exemplos clássicos de serviços administrativos, coisas e atividades excecionalmente perigosos, entre os quais os cuidados de saúde não ocupam lugar: as operações policiais que envolvam armas de fogo ou coacção física sobre as pessoas; as manobras militares; os depósitos de armas, substâncias inflamáveis, explosivas ou radioactivas; as centrais de produção e as redes de distribuição de energia eléctrica ou gás; as centrais nucleares. Parece não dever considerar-se como tendo carácter excepcionalmente perigoso a detenção ou condução de automóveis, aeronaves ou navios, que no direito privado origina situações expressamente previstas como sendo de responsabilidade pelo risco.

[xxvi] No domínio da jurisdição administrativa é clarificadora a delimitação conceptual que o Supremo Tribunal Administrativo fez a respeito de atividades especialmente perigosas no âmbito do Processo n.º 351/05 (Acórdão de 14-12-2005): Uma actividade é excepcionalmente perigosa quando for razoável esperar que dela possam, objectivamente, resultar graves danos, isto é, danos que superem os que eventualmente possam decorrer da normalidade das outras actividades e que os prejuízos são anormais ou especiais quando oneram pesada e especialmente algum ou alguns cidadãos e, consequentemente, ultrapassam os pequenos transtornos e prejuízos que são inerentes à actividade administrativa e sobrecarregam de forma mais ou menos igualitária todos eles. Mais defende o referido Supremo Tribunal que a qualificação de uma actividade como especialmente perigosa tem de ser contemporânea da sua realização. Foi com base nesse requisito que o Supremo Tribunal Administrativo, no aresto sob apreço, entendeu que se no momento desta [atividade], atenta a dita ignorância [da existência e possibilidade de contaminação pelo Virus HIV através de transfusão sanguínea], não era previsível que dela pudesse resultar a referida infecção esse acto médico, porque é comum e por regra seguro, não é uma actividade especialmente perigosa.

[xxvii] A esse respeito, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Processo n.º 30514, de 10-12-1992, que considera que já que não se podendo considerar o exercício da medicina uma actividade perigosa por sua própria natureza, não beneficiava o A. da presunção de culpa estatuída no n. 2 do art. 493 do C. Civ..

[xxviii] Num processo que correu termos em instância de recurso no Tribunal da Relação de Coimbra (processo n.º 3529/05; Acórdão de 11-07-2006) foi considerado haver especial periculosidade pela possibilidade de contaminação viral na atividade de transfusão de sangue para os efeitos do art. 493º nº 2 do Código Civil, que consagra regime de responsabilidade subjectiva agravada ou objectiva atenuada, atenta a específica presunção de culpa. O mesmo Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do processo n.º 1594/04.7TBLRA.C1, de 06-05-2008 veio admitir que a atividade médico-cirúrgica em geral constitui uma atividade perigosa e que, como tal, cumpre a quem a exerce mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de evitar danos a outrem – artº 493º, nº 2, e 799º, nº 1, do C. Civ. -, quando assim não aconteça fica o incumpridor obrigado a reparar os danos causados ao terceiro, nos termos dos artºs 493º, nº 2, 798º e 800º, nº 1, todos do C. Civ..

[xxix] Partilhamos a este respeito o mesmo entendimento que Paula Lobato Faria in Perspectivas do Direito da Saúde em Segurança do Doente com base na experiência norte-americana. Revista Portuguesa de Saúde Pública. 2010: Volume Temático – N.º 10. pp. 81-88, que apela, caso não se opte pela consagração de um regime de responsabilidade objetiva, à previsão de, pelo menos, de um sistema mais justo e menos penoso judicialmente para doentes e profissionais, tal como, aqui mais perto, o novo regime francês de compensação arbitral de alguns danos mais graves ocorridos em doentes. Também Cláudia Monge, na publicação e-book do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2013), sob o título A responsabilidade dos estabelecimentos hospitalares integrados no Serviço Nacional de Saúde por atos de prestação de cuidados de saúde, in Novos temas da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas, coord. dos Professores Doutores Carla Amado Gomes e Miguel Assis Raimundo disponível em http://www.icjp.pt/publicacoes) a páginas 116 e 117, se refere a outros modelos de responsabilidade objetiva. Entende a Autora, porém, que a proteção conferida através da relação obrigacional complexa já estende a ilicitude, tornando consequentemente a responsabilidade subjetiva mais abrangente, pelo que a responsabilidade objetiva pelo risco deve ser reservada para situações de especial perigosidade ou de especial danosidade. André Dias Pereira, na sua tese de doutoramento, Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica, publicada em 2015 (Coimbra Editora), defende idêntico entendimento e apresenta várias propostas de socialização da reparação de dano corporal causado no âmbito e por causa da prestação de cuidados de saúde. As palavras do Autor são elucidativas do alinhamento crítico quanto aos sistemas de responsabilidade médica: deparamo-nos com uma situação em muitos sistemas jurídicos, em que, no domínio do “direito da reparação dos danos (pessoais)” coexistem, por um lado, a sinistralidade laboral e a sinistralidade rodoviária com um sistema de responsabilidade objetiva acoplada a um seguro de responsabilidade civil obrigatório, e, por outro, os danos decorrentes da “sinistralidade médica” continuam entregues ao “caminho das pedras” do princípio culpabilístico.

 

Marco Aurélio Constantino

 

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