COVID-19: Regime excecional de ajuste direto simplificado

Foi hoje publicado o Decreto-Lei n.º 18/2020, de 23 de abril, que adita o artigo 2.º-A ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, sob a epígrafe “Regime excecional de ajuste direto simplificado”.

O n.º 1 do artigo ora aditado estabelece que «[p]ode ser adotado, excecionalmente, na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa, devidamente fundamentada, e independentemente do preço contratual e até ao limite do cabimento orçamental, o regime do procedimento de ajuste direto simplificado previsto no artigo 128.º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2009, de 29 de janeiro, na sua redação atual, para a celebração de contratos cujo objeto consista na aquisição de equipamentos, bens e serviços necessários à prevenção, contenção, mitigação e tratamento de infeção por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, ou com estas relacionados, designadamente:

a) Equipamentos de proteção individual;

b) Bens necessários à realização de testes à COVID -19;

c) Equipamentos e material para unidades de cuidados intensivos;

d) Medicamentos, incluindo gases medicinais;

e) Outros dispositivos médicos;

f) Serviços de logística e transporte, incluindo aéreo, relacionados com as aquisições, a título oneroso ou gratuito, dos bens referidos nas alíneas anteriores, bem como com a sua distribuição a entidades sob tutela do membro do Governo responsável pela área da saúde ou a outras entidades públicas ou de interesse público às quais se destinem. (negrito nosso)».

O n.º 3 da mesma disposição adiciona, ainda, o seguinte pressuposto: «[a]circunstâncias invocadas para fundamentar a urgência imperiosa, nos termos do n.º 1, não podem, em caso algum, ser imputáveis à entidade adjudicante.»

Assim, para além do regime excecional previsto no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, que já permitia o recurso ao regime de ajuste direto simplificado para a formação de um contrato de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços cujo preço contratual não seja superior a € 20.000, passa a coexistir o novo regime excecional aditado pelo Decreto-Lei n.º 18/2020, que manda aplicar o artigo 128.º do Código dos Contratos Públicos, independentemente do tipo de contrato e do preço contratual.

No entanto, ao contrário do que se verificava relativamente ao primeiro regime excecional, a aplicação das novas regras depende da verificação de determinados pressupostos, alguns dos quais idênticos aos estabelecidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 24.º do Código dos Contratos Públicos, a saber:

a) Ser na medida do estritamente necessário: o pressuposto é autoexplicativo, a contratação com este fundamento, não obstante desconhecer-se a evolução futura da pandemia, deve limitar-se estritamente ao tempo (previsivelmente) durante o qual se manterão as necessidades de resposta à pandemia, o que implica que apenas sejam adquiridas as quantidades estimadas para o período considerado;

b) Por motivos de urgência imperiosa: a respeito a jurisprudência do Tribunal de Contas é múltipla e constante, entendendo que tem de se tratar de uma urgência categórica, imposta por uma situação a que não pode deixar de se acorrer com rapidez. Trata-se, pois, de uma situação de urgência impreterível, significando-se com isto que a prestação não pode ser “adiada”, sob pena de não ser mais possível realizá-la, ou que a sua não realização imediata virá a causar prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação;

c) Que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante: é uma exigência de fácil compreensão, na sua razão de ser e alcance, assim, tratando-se de uma iniciativa da responsabilidade da entidade adjudicante, em que esta teve a possibilidade de a conceber e planear, e em que dispôs dos tempos necessários para a sua concretização e implementação, só circunstâncias que, de todo em todo, escaparam ao seu controlo e que, por isso, não lhe podem ser imputáveis, é que poderiam justificar a adoção do ajuste direto pelo regime simplificado.

Ademais, tal como já se verificava no regime excecional de contratação pública determinado pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, a aplicação do novo artigo 2.º-A depende de a necessidade de contratação estar estritamente relacionada com a resposta à pandemia (pois o âmbito dos referidos regimes de contratação é recortado pelo n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, que se restringe à epidemia).

Com efeito o âmbito objetivo das medidas (todas, incluindo as de contratação pública) é recortado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, tendo por referência direta o facto a que se reage: são «medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2» (n.º 1), sendo tal âmbito concretizado no seu n.º 2, que merece especial destaque: «O disposto no presente decreto-lei aplica-se à prevenção, contenção, mitigação e tratamento de infeção epidemiológica por COVID-19, bem como à reposição da normalidade em sequência da mesma», não estando definido a priori um limite temporal para o efeito, atendendo ao desconhecimento atual sobre a evolução futura da pandemia a que se responde.

Deste modo, são apenas abrangidos por este regime os procedimentos de celebração de contratos públicos cujas prestações se destinem diretamente a satisfazer necessidades específicas das entidades adjudicantes relacionadas, por um lado, i) com a “prevenção”, a “contenção”, a “mitigação”, o “tratamento” de infeção epidemiológica por COVID-19, bem como, por outro, ii) com a “reposição da normalidade em sequência da mesma” (cfr. n.º 2 do artigo 1.º).

É dizer, a aplicação destes regimes excecionais em apreço está limitada pela funcionalização das prestações contratuais à resposta à pandemia, ou seja, as prestações do contrato têm de responder, de forma direta, a uma necessidade a satisfazer pela entidade adjudicante num dos domínios descritos no n.º 2 do artigo 1.º do diploma, a saber:  i) a “prevenção”, a “contenção”, a “mitigação”, o “tratamento” de infeção epidemiológica por COVID-19, ou ii) a “reposição da normalidade em sequência da mesma” .

Neste sentido e para que não se criem dúvidas sobre o tema, o artigo 2.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, ora aditado pelo Decreto-Lei n.º 18/2020, inclui um elenco, que se entende por taxativo pela opção pelo termo «designadamente», dos contratos sujeitos ao regime excecional aí imposto.

Este elenco é, note-se, menos abrangente do que o indicado pelo IMPIC na Orientação Técnica 06/CCP/2020, de 07.04.2020, relativamente aos contratos abrangidos pelo n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020:

– Aquisição de material de proteção clínica;

– Aquisição de um estudo sobre metodologias de reorganização dos serviços de saúde;

– Empreitada para adaptar uma infraestrutura pública ao internamento de doentes;

– Prestação de serviços de realojamento para utentes de lares;

– Prestação de serviços de limpeza especializados em transportes públicos.

O novo artigo 2.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, produz efeitos retroativos ao dia 13 de março, e os procedimentos promovidos antes da publicação do Decreto-Lei n.º 18/2020, que não tenham observado, no todo ou em parte, o regime previsto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, consideram-se realizados, para todos os efeitos, ao abrigo do regime previsto no artigo 2.º-A.

Consulta do documento integral aqui.

Jane Kirkby, advogada e sócia na BAS

Mais em Comunicação